leituras para um professor que quer ver 
  
Christina Dias  
Marô Barbieri 
Há poesia por tudo. Essa é a verdade. O que precisa é
ensaiar o olho para achar. 
E achar poema não é coisa que se aprende assim de forma
distraída. É preciso treino e 
alguém que mostre, no início. Tem gente que nasce com a
facilidade de encontrar poesia 
nas coisas. Outras precisam aprender a ver. É para este
segundo grupo que falamos 
agora.  Mario
Quintana, por exemplo, sabe que tem gente que nunca vai aprender. 
A BORBOLETA . Cada vez que o poeta cria uma borboleta, o
leitor exclama: “Olha uma 
borboleta!” O crítico ajusta os óculos e, ante aquele pedaço
esvoaçante de vida, 
murmura: - Ah! sim, um lepidóptero... 
Dá um medo de não conseguir aprender. É bem verdade. Mas
quando passa o 
medo, a coisa vai ficando fácil e precisa só uma olhadinha
pra gente perceber que dali 
vai sair algo, se a cabeça e o coração da gente deixar. Esse
medo passa se a gente 
encontra pela frente um bom leitor anterior. Um leitor que
já passou pelo medo e viu 
como é bom pegar um poema com a mão e mostrar pra todo
mundo. É aí que entra o 
professor. Tem gente que tem a sorte de ter um professor
assim. 
Hoje, a única porção de leitura que a maioria das pessoas
tem, ainda mais de 
poesia, está na escola. Se o 
professor não levar poesia pra 
dentro da escola periga o 
sujeito nunca ver um só poema, um só texto literário. E aí a
coisa complica. Claro que 
sempre há jeito. Mas, sem auxílio, o caminho é individual e,
se a pessoa está sozinha, é 
mais difícil. 
Então é na escola que a poesia deve aparecer. E lá ela pode
passear a vontade, 
significando gestos e falas. O professor atento percebe na
fala dos seus alunos pequenos 
ganchos para apresentar a rima, a brincadeira com repetições
e invenção de palavras. 
Aliás o que realmente precisa é de um professor leitor. Um
que descubra a 
poesia escondida no dia a dia, que leia poemas. Porque se
ele aprende a olhar com olhos 
de poesia, então ele muda o olhar sobre a palavra. E ajuda o
aluno a mudar também. 
A gente vai mostrar esse outro olhar. 
Começando por José Paulo Paes, que nos faz este  CONVITE 
Poesia 
é brincar com as palavras 
como se brinca 
com bola, papagaio, pião 
Só que 
bola, papagaio, pião 
de tanto brincar 
se gastam 
As palavras, não: 
quanto mais se brinca 
com elas  
mais novas ficam. 
Como a água do rio 
que é água sempre nova. 
Como cada dia 
que é sempre um novo dia. 
Vamos brincar de poesia? 
Quem também brincou com as palavras e mostrou que a alegria,
o saracoteio, o 
improvável fazem bons poemas foi Sylvia Orthof, no poema “A
poesia é uma pulga”. 
A POESIA É UMA PULGA 
A poesia é uma pulga, 
coça, coça, me chateia, 
entrou por dentro da meia, 
saiu por fora da orelha, 
faz zumbido de abelha, 
mexe, mexe, não se cansa, 
nas palavras se balança, 
fala, fala e não se cala, 
a poesia é uma pulga, 
de pular não tem receio, 
adora pular na escola... 
Só na hora do recreio! 
Em poesia, nada é impossível! Carlos Urbim que o diga. 
BIBLIOTECA 
Duas traças, irmãs 
Biblió e Teça Na hora do almoço 
Com muito alvoroso 
Ouvem a voz 
Da mãe traça: 
Biblió, Teca! 
Venham almoçar 
Há guisadinho 
De papel 
Para traçar! 
Tem Maria Dinorah - meio simbolista - que sabe como ninguém
usar as 
sonoridades. 
PÁSSARO NO ESPAÇO 
Piso num ponto 
e me ponho 
de pés em ponta 
Estou pronta. 
Penso uma pauta 
e me pinto, 
pego um pente 
e me penteio 
Paro no pulo 
e no prumo, 
nego o nervoso 
e me aprumo. 
Pronto. 
Pisco, 
apresto o passo. 
E na pausa 
dessa pose, 
sou um pássaro no espaço. 
E Tatiana Belinki,  tão
inusitada, tão musical, tão cheia de brincadeiras: 
O sapo levou toda a prole 
Para comer rocambole 
É mole? 
Ou Sérgio Caparelli com seus sapos inventores, descobrindo
sonoridades, rimas, 
cadências. 
OS SAPOS INVENTORES 
Eu sou o Sapo Inácio, 
inventor do saponáceo. 
Sou a Sapa Tuca, 
inventei a sapituca. 
Eu, a Sapa Tília, 
descobri a sapatilha. 
Apresento-me: sapo Antão, 
criador do sapatão. 
- E o sapo que aí está? 
- Não sou sapo, sou sabiá, 
Ce sabia ou não sabiá? 
Ou falando ao mais fundo da emoção: 
  Excursão 
  
o ônibus roncava na subida 
e como era difícil o amor de mariana, 
de blusa rala e jeans apertado! 
A viagem nem tinha começado 
e eu ali,em meio ao vozerio, cantava 
batendo nos bancos, 
e a professora pedia um pouco de silêncio 
pelo amor de deus, vou ficar surda, 
e a turma batucava e batucava 
e batucava no meu peito 
um coração pedindo estrada 
e tu, nem te ligo, 
conversavas com luisa, ajeitando uma rosa branca 
nos teus cabelos lisos, 
ô mariana, vê se me vê, pô, estou aqui, 
louco de você, e me calava, 
ouvindo o ônibus cheio de amor pela estrada 
que diante dele se torcia 
machucada. 
De invenção em invenção, chega o texto de Ricardo
Silvestrin, sempre novo, que 
descobre como as coisas foram inventadas. Quer saber? 
A INVENÇÃO DO PONTO DE INTERROGAÇÃO 
A escrita 
já tinha sido inventada. 
Todas as letras, 
as sílabas, as palavras. 
Mas houve uma fase em que escrever uma frase 
estava causando 
a maior confusão. 
Tudo porque ainda não existia 
O ponto de interrogação. 
Alguém escrevia 
por exemplo 
qualquer coisa besta 
como “Hoje você vai à festa” 
e recebia como resposta 
algo assim: 
“Você não manda em mim”. 
E logo tinha que esclarecer: 
“Sua anta, isso era só uma pergunta”. 
Pronto, virava uma briga 
só por causa do ponto. 
Até que alguém se deu conta 
que quem pergunta 
não apenas fala, 
mas também escuta. 
Então deu na sua telha 
de colocar sobre o ponto final 
o desenho de uma orelha. 
Já prestou atenção? 
Tem uma orelha 
no ponto de interrogação. 
Porque a poesia pergunta, desafia e  quer provocar novos questionamentos. A 
leitura de um poema abre janelas para outros tantos
poemas.  
CONTAGEM 
Você já contou estrelas? 
E nuvens? E passarinhos? 
Já contou quantos dedinhos 
têm os pés da centopéia? 
Já contou quantas histórias 
cabem dentro das idéias? 
Já pensou quantas bestagens 
podem ser inteligentes? 
Já contou quantos gemidos 
cabem numa dor de dente? 
Já pensou quantas mentiras escondem certa verdade? 
Quantas grades e gaiolas 
trancam nossa liberdade? 
Quantas leituras mais são possíveis a partir do que nos
ofereceu Sylvia Orthof! 
O poema também vem para provocar a ambigüidade de sentido,
para mostrar sua 
polissemia. Nesse jogo de interpretações, o sentido se
constrói ao longo da leitura. 
 Exemplo disso é o
poema COM PENA de  Almir Correa. 
POEMA COM PENA 
Fiz um poema 
e não sei se vale a pena 
poemar. 
É um poema com pena 
pena do céu 
pena da terra 
pena do mar. 
Não tem mais pena de índio 
Porque índio já não se acha em nenhum lugar. 
Mas ainda tem 
pena de arara azul 
pena de galinha sem cabeça 
pena de pato pateta. 
Tem tanta pena 
pena até de travesseiro. 
Só não tem pena nenhuma do burro 
porque burro não tem pena. 
Neste texto, centradas em uma palavra, idéias se multiplicam
e se sobrepõem, 
oferecendo ao leitor espaço para preencher as lacunas
deixadas pelo poema. 
 Neste exercício, o
leitor vai se colocando e trazendo o que é seu para dentro da 
poesia e, assim, construindo a sua teia de sentidos. A teia
o  empurra para novas 
descobertas e o constrói como leitor. Assim, o sujeito que,
inicialmente necessitou de 
um leitor prévio vai andando sozinho e se permitindo fazer
leituras próprias. Nesse 
caminho a cabeça se abre e os limites se diluem. 
Poetas como Mario Quintana (de novo e sempre) ajudam esta
construção.  
FATOS CONSUMADOS ...e se eles te apertarem muito sobre o que
quiseste dizer com um poema, 
pergunta-lhes apenas o que Deus quis dizer com este nosso
mundo... 
COISAS NUMERADAS 
I 
Não esquecer que as nuvens 
estão improvisando sempre, 
mas a culpa é do vento. 
II 
Ah, essas esculturas de gaze 
do vento, sempre errantes 
entre o céu e a terra, como 
os sonhos do homem. 
III 
A voz do vento...Ninguém 
sabe o que o vento quer 
dizer...Quem me faz uma 
letra para a voz do vento? 
E onde entra a criança? Ora, ela está sempre lá, à
disposição da poesia como 
qualquer cidadão/leitor. Criança é pronta para a
desconstrução, pronta para enxergar 
todo um mundo que ela ainda não conhece. E qualquer idéia,
forma ou proposta tem 
lugar nesse mundo. 
Manoel de Barros sabe bem disso. No  “O livro das ignorãças”, é definitivo 
quando fala: 
VII 
No descomeço era o verbo. 
Só depois é que veio o delírio do verbo. 
O delírio do verbo estava no começo, lá 
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos  
passarinhos. 
A criança não sabe que o verbo escutar não 
funciona para cor, mas para som. 
Então se a criança muda a função de um 
verbo, ele delira. 
E pois. 
Em poesia que é a voz do poeta, que é a voz 
de fazer nascimentos – 
o verbo tem que pegar delírio. 
É aqui que poesia, escola e criança se encontram. Porque
para viver a POESIA, 
para viver a EDUCAÇÃO plena - do sujeito/educador e do  sujeito/educando -, para viver o universo da
e com a CRIANÇA, para compreendê-la e com ela amar a VIDA, é 
preciso – como diz o poeta – delirar. 
Deliremos, pois. 
Referências bibliográficas conforme a ordem em que aparecem
no texto. 
QUINTANA, Mário. SAPO AMARELO – ilustrações de Orlando -
Global     
      Editora – SP –
SP – p 40 
PAES, José Paulo. POEMAS PARA BRINCAR - ilustrações de Luiz
Maia –   
      Editora Ática –
SP – 2004 – p 3 
 ORTHOF, Sylvia. A
POESIA É UMA PULGA – ilustrações de Zeflávio  
        Teixeira –
Atual Editora – BH – Minas Gerais – p 3 
URBIM , Carlos. CADERNO DE TEMAS – ilustrações de Leonardo
Menna     
       Barreto Gomes –
Editora Mercado Aberto – Porto Alegre – RS – p 17 
DINORAH, Maria. POESIA SAPECA – ilustrações BIG - L&PM
Editores –   
       Porto Alegre –
RS – 8ª edição – 1989 – p 14 
BELINKY, Tatiana. 
CAPARELLI, Sérgio. BOI DA CARA PRETA – ilustrado por CAULOS
–   
       L&PM
Editores – Porto Alegre – RS – 12ª edição – p 34 
CAPARELLI, Sérgio.RESTOS DE ARCO-ÍRIS. L&PM Editores.
Porto   
     Alegre - RS. 
 SILVESTRIN, Ricardo.
É TUDO INVENÇÃO – ilustrações de Luiz Maia -  
      Editora Ática –
SP – 2003 – p 9 
  ORTHOF, Sylvia. A
POESIA É UMA PULGA – ilustrações de Zeflávio 
         Teixeira –
Atual Editora – BH – Minas Gerais – p 19 
 CORREIA, Almir.POEMAS
MALANDRINHOS – ilustrações de Zeflávio  
        Teixeira –
Atual Editora – SP – SP – 1992 – p 03 
QUINTANA, Mário. SAPO AMARELO – ilustrações de Orlando –
Global    
        Editora – SP –
SP – 2006 – p 06  e 24 
 BARROS, Manoel de. O
LIVRO DAS IGNORÃÇAS – Editora Civilização 
        Brasileira –
SP – SP – 1994 – 2ª edição – p 17