I – TEXTO.
O
PENTEADO – MACHADO DE ASSIS
E Capitu deu-me as costas,
voltando-se para o espelhando. Peguei-lhe dos cabelos, colhi-os todos e entrei
a alisá-los com o pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam à
cintura. Em pé não dava jeito: não esquecestes que ela era um nadinha mais alta
que eu, mas ainda que fosse da mesma altura. Pedi-lhe que se sentasse.
-Senta aqui, é melhor.
Sentou-se. "Vamos ver o
grande cabeleireiro", disse-me rindo. Continuei a alisar os cabelos, com
muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças.
Não as fiz logo, nem assim depressa, como podem supor os cabeleireiros de
ofício, mas devagar, devagarinho, saboreando pelo tato aqueles fios grossos,
que eram parte dela.
O trabalho era atrapalhado, às
vezes por descuido, outras de propósito para desfazer o feito e refazê-lo. Os
dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a
sensação era um deleite. Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu
os quisesse intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os
da Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me
apresentaram depois; mas, desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos,
tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de
vezes.
Se isto vos parecer enfático,
desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos
adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa... Uma ninfa! Todo eu estou
mitológico. Ainda há pouco, falando dos seus olhos de ressaca, cheguei a
escrever Tétis; risquei Tétis, risquemos ninfa, digamos somente uma criatura
amada, palavra que envolve todas as potências cristãs e pagãs.
Enfim acabei as duas tranças.
Onde estava a fita para atar-lhes as pontas? Em cima da mesa, um triste pedaço
de fita enxovalhada. Juntei as pontas das tranças, uni-as por um laço, retoquei
a obra, alargando aqui, achatando ali, até que exclamei:
-Pronto!
-Estará bom?
-Veja no espelho.
Em vez de ir ao espelho, que
pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava sentada, de costas para
mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos
e ampará-la; o espaldar da cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela
rosto a rosto, mas trocados, os olhos de uma na linha da boca do outro.
Pedi-lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço.
Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem esta razão a moveu.
-Levanta, Capitu!
Não quis, não levantou a
cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os
lábios, eu desci os meus, e...
Grande foi a sensação do
beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à parede com uma espécie de vertigem,
sem fala, os olhos escuros. Quando eles me clarearam vi que Capitu tinha os
seus no chão. Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me
língua. Preso, atordoado, não achava gesto nem ímpeto que me descolasse da
parede e me atirasse a ela com mil palavras cálidas e mimosas...
(Dom Casmurro, capítulo XXXIII)
II – INTERPRETAÇÃO DE TEXTO.
1) Transcreva uma frase do texto que
comprove que as personagens são adolescentes.
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
2) O que quer dizer a expressão ´´ devagar,
devagarinho``?
___________________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário