terça-feira, 12 de março de 2013

POESIA, CRIANÇA & ESCOLA



leituras para um professor que quer ver
 
Christina Dias 
Marô Barbieri

Há poesia por tudo. Essa é a verdade. O que precisa é ensaiar o olho para achar.
E achar poema não é coisa que se aprende assim de forma distraída. É preciso treino e
alguém que mostre, no início. Tem gente que nasce com a facilidade de encontrar poesia
nas coisas. Outras precisam aprender a ver. É para este segundo grupo que falamos
agora.  Mario Quintana, por exemplo, sabe que tem gente que nunca vai aprender.
A BORBOLETA . Cada vez que o poeta cria uma borboleta, o leitor exclama: “Olha uma
borboleta!” O crítico ajusta os óculos e, ante aquele pedaço esvoaçante de vida,
murmura: - Ah! sim, um lepidóptero...
Dá um medo de não conseguir aprender. É bem verdade. Mas quando passa o
medo, a coisa vai ficando fácil e precisa só uma olhadinha pra gente perceber que dali
vai sair algo, se a cabeça e o coração da gente deixar. Esse medo passa se a gente
encontra pela frente um bom leitor anterior. Um leitor que já passou pelo medo e viu
como é bom pegar um poema com a mão e mostrar pra todo mundo. É aí que entra o
professor. Tem gente que tem a sorte de ter um professor assim.
Hoje, a única porção de leitura que a maioria das pessoas tem, ainda mais de
poesia, está na escola. Se o  professor não levar poesia pra  dentro da escola periga o
sujeito nunca ver um só poema, um só texto literário. E aí a coisa complica. Claro que
sempre há jeito. Mas, sem auxílio, o caminho é individual e, se a pessoa está sozinha, é
mais difícil.
Então é na escola que a poesia deve aparecer. E lá ela pode passear a vontade,
significando gestos e falas. O professor atento percebe na fala dos seus alunos pequenos
ganchos para apresentar a rima, a brincadeira com repetições e invenção de palavras.
Aliás o que realmente precisa é de um professor leitor. Um que descubra a
poesia escondida no dia a dia, que leia poemas. Porque se ele aprende a olhar com olhos
de poesia, então ele muda o olhar sobre a palavra. E ajuda o aluno a mudar também.
A gente vai mostrar esse outro olhar.
Começando por José Paulo Paes, que nos faz este  CONVITE
Poesia
é brincar com as palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião

Só que
bola, papagaio, pião
de tanto brincar
se gastam

As palavras, não:
quanto mais se brinca
com elas 
mais novas ficam.

Como a água do rio
que é água sempre nova.

Como cada dia
que é sempre um novo dia.

Vamos brincar de poesia?

Quem também brincou com as palavras e mostrou que a alegria, o saracoteio, o
improvável fazem bons poemas foi Sylvia Orthof, no poema “A poesia é uma pulga”.

A POESIA É UMA PULGA

A poesia é uma pulga,
coça, coça, me chateia,
entrou por dentro da meia,
saiu por fora da orelha,
faz zumbido de abelha,
mexe, mexe, não se cansa,
nas palavras se balança,
fala, fala e não se cala, 
a poesia é uma pulga, 
de pular não tem receio,
adora pular na escola...

Só na hora do recreio!

Em poesia, nada é impossível! Carlos Urbim que o diga.
BIBLIOTECA

Duas traças, irmãs
Biblió e Teça Na hora do almoço
Com muito alvoroso
Ouvem a voz
Da mãe traça:
Biblió, Teca!
Venham almoçar
Há guisadinho
De papel
Para traçar!

Tem Maria Dinorah - meio simbolista - que sabe como ninguém usar as
sonoridades.
PÁSSARO NO ESPAÇO

Piso num ponto
e me ponho
de pés em ponta
Estou pronta.

Penso uma pauta
e me pinto,
pego um pente
e me penteio

Paro no pulo
e no prumo,
nego o nervoso
e me aprumo.

Pronto.
Pisco,
apresto o passo.

E na pausa
dessa pose,
sou um pássaro no espaço.

E Tatiana Belinki,  tão inusitada, tão musical, tão cheia de brincadeiras:

O sapo levou toda a prole
Para comer rocambole
É mole?

Ou Sérgio Caparelli com seus sapos inventores, descobrindo sonoridades, rimas,
cadências.
OS SAPOS INVENTORES

Eu sou o Sapo Inácio,
inventor do saponáceo. 
Sou a Sapa Tuca,
inventei a sapituca.

Eu, a Sapa Tília,
descobri a sapatilha.

Apresento-me: sapo Antão,
criador do sapatão.

- E o sapo que aí está?

- Não sou sapo, sou sabiá,
Ce sabia ou não sabiá?

Ou falando ao mais fundo da emoção:
  Excursão
 
o ônibus roncava na subida
e como era difícil o amor de mariana,
de blusa rala e jeans apertado!
A viagem nem tinha começado
e eu ali,em meio ao vozerio, cantava
batendo nos bancos,
e a professora pedia um pouco de silêncio
pelo amor de deus, vou ficar surda,
e a turma batucava e batucava
e batucava no meu peito
um coração pedindo estrada
e tu, nem te ligo,
conversavas com luisa, ajeitando uma rosa branca
nos teus cabelos lisos,
ô mariana, vê se me vê, pô, estou aqui,
louco de você, e me calava,
ouvindo o ônibus cheio de amor pela estrada
que diante dele se torcia
machucada.

De invenção em invenção, chega o texto de Ricardo Silvestrin, sempre novo, que
descobre como as coisas foram inventadas. Quer saber?

A INVENÇÃO DO PONTO DE INTERROGAÇÃO

A escrita
já tinha sido inventada.
Todas as letras,
as sílabas, as palavras.
Mas houve uma fase em que escrever uma frase
estava causando
a maior confusão.
Tudo porque ainda não existia
O ponto de interrogação.
Alguém escrevia
por exemplo
qualquer coisa besta
como “Hoje você vai à festa”
e recebia como resposta
algo assim:
“Você não manda em mim”.
E logo tinha que esclarecer:
“Sua anta, isso era só uma pergunta”.
Pronto, virava uma briga
só por causa do ponto.
Até que alguém se deu conta
que quem pergunta
não apenas fala,
mas também escuta.
Então deu na sua telha
de colocar sobre o ponto final
o desenho de uma orelha.
Já prestou atenção?
Tem uma orelha
no ponto de interrogação.


Porque a poesia pergunta, desafia e  quer provocar novos questionamentos. A
leitura de um poema abre janelas para outros tantos poemas. 

CONTAGEM

Você já contou estrelas?
E nuvens? E passarinhos?

Já contou quantos dedinhos
têm os pés da centopéia?

Já contou quantas histórias
cabem dentro das idéias?

Já pensou quantas bestagens
podem ser inteligentes?

Já contou quantos gemidos
cabem numa dor de dente?

Já pensou quantas mentiras escondem certa verdade?

Quantas grades e gaiolas
trancam nossa liberdade?

Quantas leituras mais são possíveis a partir do que nos ofereceu Sylvia Orthof!
O poema também vem para provocar a ambigüidade de sentido, para mostrar sua
polissemia. Nesse jogo de interpretações, o sentido se constrói ao longo da leitura.
 Exemplo disso é o poema COM PENA de  Almir Correa.

POEMA COM PENA

Fiz um poema
e não sei se vale a pena
poemar.

É um poema com pena
pena do céu
pena da terra
pena do mar.

Não tem mais pena de índio
Porque índio já não se acha em nenhum lugar.

Mas ainda tem
pena de arara azul
pena de galinha sem cabeça
pena de pato pateta.

Tem tanta pena
pena até de travesseiro.

Só não tem pena nenhuma do burro
porque burro não tem pena.

Neste texto, centradas em uma palavra, idéias se multiplicam e se sobrepõem,
oferecendo ao leitor espaço para preencher as lacunas deixadas pelo poema.
 Neste exercício, o leitor vai se colocando e trazendo o que é seu para dentro da
poesia e, assim, construindo a sua teia de sentidos. A teia o  empurra para novas
descobertas e o constrói como leitor. Assim, o sujeito que, inicialmente necessitou de
um leitor prévio vai andando sozinho e se permitindo fazer leituras próprias. Nesse
caminho a cabeça se abre e os limites se diluem.
Poetas como Mario Quintana (de novo e sempre) ajudam esta construção. 
FATOS CONSUMADOS ...e se eles te apertarem muito sobre o que quiseste dizer com um poema,
pergunta-lhes apenas o que Deus quis dizer com este nosso mundo...

COISAS NUMERADAS

I
Não esquecer que as nuvens
estão improvisando sempre,
mas a culpa é do vento.

II
Ah, essas esculturas de gaze
do vento, sempre errantes
entre o céu e a terra, como
os sonhos do homem.

III
A voz do vento...Ninguém
sabe o que o vento quer
dizer...Quem me faz uma
letra para a voz do vento?

E onde entra a criança? Ora, ela está sempre lá, à disposição da poesia como
qualquer cidadão/leitor. Criança é pronta para a desconstrução, pronta para enxergar
todo um mundo que ela ainda não conhece. E qualquer idéia, forma ou proposta tem
lugar nesse mundo.
Manoel de Barros sabe bem disso. No  “O livro das ignorãças”, é definitivo
quando fala:
VII
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos 
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é a voz do poeta, que é a voz
de fazer nascimentos –
o verbo tem que pegar delírio.

É aqui que poesia, escola e criança se encontram. Porque para viver a POESIA,
para viver a EDUCAÇÃO plena - do sujeito/educador e do  sujeito/educando -, para viver o universo da e com a CRIANÇA, para compreendê-la e com ela amar a VIDA, é
preciso – como diz o poeta – delirar.
Deliremos, pois.




Referências bibliográficas conforme a ordem em que aparecem no texto.

QUINTANA, Mário. SAPO AMARELO – ilustrações de Orlando - Global    
      Editora – SP – SP – p 40
PAES, José Paulo. POEMAS PARA BRINCAR - ilustrações de Luiz Maia –  
      Editora Ática – SP – 2004 – p 3
 ORTHOF, Sylvia. A POESIA É UMA PULGA – ilustrações de Zeflávio  
        Teixeira – Atual Editora – BH – Minas Gerais – p 3
URBIM , Carlos. CADERNO DE TEMAS – ilustrações de Leonardo Menna    
       Barreto Gomes – Editora Mercado Aberto – Porto Alegre – RS – p 17
DINORAH, Maria. POESIA SAPECA – ilustrações BIG - L&PM Editores –  
       Porto Alegre – RS – 8ª edição – 1989 – p 14
BELINKY, Tatiana.
CAPARELLI, Sérgio. BOI DA CARA PRETA – ilustrado por CAULOS –  
       L&PM Editores – Porto Alegre – RS – 12ª edição – p 34
CAPARELLI, Sérgio.RESTOS DE ARCO-ÍRIS. L&PM Editores. Porto  
     Alegre - RS.

 SILVESTRIN, Ricardo. É TUDO INVENÇÃO – ilustrações de Luiz Maia -  
      Editora Ática – SP – 2003 – p 9
  ORTHOF, Sylvia. A POESIA É UMA PULGA – ilustrações de Zeflávio 
         Teixeira – Atual Editora – BH – Minas Gerais – p 19
 CORREIA, Almir.POEMAS MALANDRINHOS – ilustrações de Zeflávio 
        Teixeira – Atual Editora – SP – SP – 1992 – p 03
QUINTANA, Mário. SAPO AMARELO – ilustrações de Orlando – Global   
        Editora – SP – SP – 2006 – p 06  e 24
 BARROS, Manoel de. O LIVRO DAS IGNORÃÇAS – Editora Civilização 
        Brasileira – SP – SP – 1994 – 2ª edição – p 17 

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